segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

PIOLIN - O PALHAÇO DA CIDADE

    Abelarto Pinto, nasceu em 27 de março de 1897, na cidade de Ribeirão Preto interior paulista. Filho de Galdino Pinto e Clotilde Farnesi, nasceu e cresceu no circo dos pais, se tornando contorcionista, músico (violino e bandolim), ciclista, acrobata. Mais tarde, por volta de 1917 passou a ser o palhaço Careca, mudando logo em seguida, para se tornar o palhaço Piolin. 
    Piolin, barbante em espanhol, que recebeu esse nome por conta de seu corpo fino e suas pernas ainda mais finas, começou  a fazer sucesso no início dos anos 20. Substituindo Chimarrão, passou a se apresentar no Circo Irmãos Queirolo, fazendo cenas cômicas com Harrys e Chic-Chic. Em 1925, associou-se a Alcebíades Pereira, e com ele, no Largo do Paisandu, viveu sua fasede glória. O presidente Washington Luiz era seu fã e tinha cadeira cativa todas as quintas-feiras no seu circo, e os modernistas, seus fãs assíduos, escreviam frequentemente sobre ele em jornais e revistas. Em 1929, no dia do seu aniversário, os modernistas homenagearam Piolin com um almoço que chamaram de Festim Antropofágico. Considerando que os antropófagos comiam o inimigo para adquirir suas qualidades, o ato simbólico de "comer Piolin" constituiu-se numa verdadeira consagração ao palhaço.
      Durante mais de 30 anos, Piolin teve seu circo armado em São Paulo, no Paissandu e depois nos bairros do Brás, Paraíso e Marechal Deodoro e, por fim, na Avenida General Osório da Silveira (em local onde hoje funciona um bingo) onde permaneceu por 18 anos, até ser despejado, no final de 1961, pelo IAPC, antigo INPS. O motivo alegado na época foi a construção de um hospital, mas nada no local – nada - foi erguido até o início da década de 80. O despejo de Piolin tornou-se, assim, símbolo do descaso dos poderes públicos para com o circo.
       Em 1972, numa iniciativa de Pietro e Lina Bo Bardi, organizadores da exposição do cinquentenário da Semana de Arte Moderna, o Circo Piolin foi armado no Belvedere do MASP. Nesse mesmo ano, 27 de março, data do aniversário de Piolin, foi declarado oficialmente como o Dia do Circo. As homenagens animaram Piolin, que comprou um circo e começou a viajar, mas teve de parar por problemas de saúde. 
       Abelardo Pinto Piolin morreu em 4 de setembro de 1973, de insuficiência cardíaca, engasgado com uma bala. Uma multidão se aglomerou nas alamedas do Cemitério da Quarta Parada para acompanhar o seu enterro. 
       Em 1975, a Travessa do Paissandu, onde os circos eram armados, passou a se chamar Rua Abelardo Pinto Piolin. E em 1978 tornou-se realidade o grande sonho de Piolin: a criação da primeira escola de circo no Brasil, que, numa justa homenagem, recebeu o nome de Academia Piolin de Artes Circenses. Sem apoio dos poderes públicos, encerrou suas atividades em 1983. Mas serviu de exemplo e inspiração para a criação das muitas escolas de circo que hoje existem no Brasil. E, atualmente, o Dia do Circo, 27 de março,é comemorado em todo o país. Do Amazonas ao Prata.

Informações retiradas do site:

Segue texto retirado do livro "São Paulo de Meus Amores", de 1954, escrito por Afonso Shcmidt.


- Hoje tem goiabada?
- Tem, sim sinhô!
E tinha mesmo, tôdas as noites. Os admiradores do Sr. Abelardo Pinto iam vê-lo no seu circo, estivesse onde estivesse. Nada mais justo. Êle já divertiu uma geração; agora, está começando a divertir a outra. Para a gente pequena alegria. Para a gente grande começa a ser saudade.
 Não vão pensar agora que o Sr. Abelardo Pinto é um cavalheiro grisalho, dispéptico e de mau-humor. Não senhores. Êle sempre foi Piolin. Continua a ser Piolin. O mesmo Piolin. Mais Piolin do que nunca!
Não me lembro se o vi, ou se sonhei com êle; estava como sempre: chapéu de côco, redondo, com a copa enterrada até as orelhas, colarinho que daria para o pescoço da família inteira, jaquetão de um defunto que pesava pelo menos dez arrobas, sapatos 84, bico largo, e a sua famosa bengala que mais parece anzol de pescar submarinos. Êle estava num "bar" de esquina e esforçava-se por tomar o café sem botar o nariz de rabanete dentro da xicara. Mas aquilo lhe dava um trabalho! ...
Nesse ínterim, o rádio da prateleira iniciou uma valsa daquelas que bolem com a alma da gente. O rapaz, que estava a lavar louça, começou a embalar uma xícara no ar, como se estivesse ninando criança. O outro, que estava coando café, pegou no bule de latão e começou a dançar com êle. A mocinha da caixa deixou a registradora aberta e, com uns níqueis na mão, entrou a marcar compasso. O freguês que estava à espera do trôco, pôs-se a sacudir a mão esquerda, como quem quer aparar o pêndulo de um relógio de parede. O vendedor de pastéis, que tinha fisgado um croquete com o garfo, agitou-o ritmicamente no ar, para enganar o freguês. Mas êste não se amofinou, porque, também êle, fazia que ia mas não ia, fazia que vinha mas não vinha, numa dança imaginária.
 Quando a valsa terminou, a casa escorregou e caiu em si. Então, Piolin, muito cortês, chamou o caixeiro e disse-lhe:
-  Dê-me outro café.
-  Por quê? :Êsse não estava bom?
- Estava. Mas eu verti lágrimas de saudade. Agora, o café ficou salgado.
Depois o palhaço saiu, pisando mole com os sapatos imensos. Fazia parar os bondes. Trepava de um lado e descia do outro. Dali a pouco, subiu pela tôrre de São Bento e montou a cavalo no ponteiro grande. Tirou um estilingue do bôlso e começou a caçar as estrêlas do céu...
Há anos que não tenho a felicidade de ver o Sr. Abelardo Pinto, mas, para ser verdadeiro, é dêsse jeito que imagino Piolin - o palhaço da cidade.


Imagem retirada do livro "São Paulo de Meus Amores" - 1954